terça-feira, 27 de novembro de 2012

Fim de teses tributárias devolve prestígio à advocacia, diz Roberto Quiroga

Com o fim das teses tributárias no Judiciário, a advocacia na área volta a ganhar prestígio. Conforme o cardápio de causas historicamente vencedoras vai minguando, morre também a velha prática de copiar petições de sucesso — que independentemente do talento do advogado, têm o mesmo efeito. Os casos em discussão no contencioso tributário, em paralelo, crescem em importância e em qualidade. Questões bilionárias que hoje são resolvidas na esfera administrativa prometem desafiar o Judiciário nos próximos anos.

É o cenário que enxerga o advogado Roberto Quiroga Mosquera, professor de Direito Tributário da PUC-SP e de Legislação Tributária na USP, sócio do escritório Mattos Filho Advogados. Militante na área desde 1981, quando chegou à banca como estagiário, ele traçou, nesta quinta-feira (22/11), um panorama da advocacia tributária nos últimos 30 anos a uma plateia formada principalmente por juízes, procuradores e advogados na sede da Advocacia-Geral da União em São Paulo, durante o IV Congresso Ajufesp de Execuções Fiscais.

Quiroga, de 51 anos, falou durante duas horas sobre o contencioso tributário no Brasil. Especialista no assunto e focado na defesa de empresas principalmente perante o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda — última instância para contestações contra autuações da Receita Federal e do INSS —, ele foi o principal responsável por uma vitória no órgão, em outubro, que poupou R$ 4 bilhões ao Banco Santander, referente à cobrança do fisco pela compra do Banco Banespa. Os espanhóis usaram o ágio embutido no preço do banco estatal paulista para abater valores devidos de Imposto de Renda e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido.

“Nas décadas de 1980 e 1990, como o Supremo Tribunal Federal deu provimento a de 70% a 80% das causas tributárias, as teses foram massificadas e a advocacia se prostituiu. Advogar era só não perder prazos. A legislação ruim tornou pessoas como Zélia Cardoso de Mello [ministra da Economia do governo Collor, que no mesmo ano que criou o Cruzado Novo bloqueou depósitos bancários para conter a inflação] quase santas para a advocacia. Ninguém precisava conhecer a Lei de Execução Fiscal. Com a melhoria estrutural do fisco e sua capacitação para o contencioso judicial, no entanto, acabaram as ações antiexacionais [de iniciativa do contribuinte]”, analisou o advogado. “Hoje não há mais planejamentos tributários como antigamente. As operações são mais sofisticadas. O Direito Tributário volta a ser complexo como era na década de 1970.”

Para o tributarista, não serve mais para o advogado ter apenas a Teoria Geral do Direito Tributário. É fundamental dominar legislações como a do Imposto de Renda e do ICMS e saber como trabalhar especificamente com cada tributo. “Ganhei muito dinheiro com decadência em autos de infração. Hoje, isso não acontece mais. O fisco tem mais cuidado. Um auto de infração chega a ter mais de 100 páginas”, afirmou.

O despertar da Receita Federal aconteceu, na opinião do advogado, com a nomeação de Everardo Maciel como secretário do órgão em 1995. “O combate à corrupção e o estabelecimento de superintendentes, com a criação de delegacias especializadas, resultaram numa Receita mais capacitada para o contencioso judicial e administrativo. Com isso, aumentaram as ações exacionais. Houve também melhora na PGFN e na legislação.”

Os casos também estão maiores, segundo Quiroga. Enquanto as últimas décadas viram empresas ajuizarem todo tipo de ação que tivesse alguma chance de sucesso, hoje, a avaliação é mais criteriosa. “Em vez de cotar três escritórios e contratar o mais barato — já que a tese era a mesma —, o contribuinte hoje contrata os três escritórios, para não perder um caso de ágio de R$ 1 bilhão”, disse.

Demanda represada

É nos tribunais administrativos que essa batalha é travada hoje. Segundo Quiroga, 50% das autuações são indeferidas. Os outros 50% são levados à Justiça pelos contribuintes. O fisco dificilmente recorre à Justiça de decisões do Carf porque respeita esses acórdãos como entendimento final do Ministério da Fazenda. “Os julgamentos no Carf têm levado de três a quatro anos para terminar. Os juízes precisam estar preparados para enfrentar essa demanda”, afirmou. “São casos de preço de transferência, ágio, lucros no exterior e reorganizações societárias. Os magistrados terão de entender sobre tratados internacionais e se informar sobre como funciona o mercado.”

Os R$ 25 bilhões cobrados pela Receita Federal da maior produtora de minério de ferro do mundo, a Vale, foram usados como exemplo pelo tributarista. Desde 2001, a empresa manteve suspensa a exigibilidade de débitos de IRPJ e CSLL relativos a uma discussão tributária que ainda não terminou na Justiça. A dívida diz respeito à tributação entre 1996 e 2002. Segundo a empresa, haveria ilegalidade da tributação da parcela do resultado positivo da equivalência patrimonial decorrente da variação cambial do valor investido nas controladas e coligadas no exterior. Além disso, o fisco tributa lucros dessas coligadas e controladas antes que eles sejam disponibilizados no Brasil, o que, para a Vale, é irregular. Este ano, porém, a liminar caiu, e a Justiça exigiu o depósito bilionário.

“O tribunal questionou por que a empresa, durante todos esses anos, não havia provisionado essa despesa, sem saber que a Comissão de Valores Mobiliários, que regula as sociedades abertas, determina que isso não seja feito em caso de ações judiciais com possibilidade de êxito”, explicou. Quiroga ainda criticou a exigência do depósito judicial bilionário. “Nenhum banco empresta mais que R$ 1 bilhão. Teria de haver um pool de bancos.”

Para o advogado, os números mostram a necessidade do preparo dos juízes para julgar as causas tributárias que começam a chegar. “Em 2011, foram 550 operações de fusão e aquisição de empresas e o investimento estrangeiro no país chegou a R$ 70 bilhões.” O valor foi o mesmo, segundo ele, da arrecadação mensal federal no país. “Além disso, foram R$ 110 bilhões em autuações, todas com multa agravada em 150%. Em 2012, esse número deve subir para R$ 150 bilhões.” De acordo com Quiroga, apenas 2,5% das empresas do país, que recolhem tributos pelo regime do Lucro Real — destinado aos maiores faturamentos — são responsáveis por 80% da arrecadação. “São entre 10 mil e 14 mil, 60% delas em São Paulo.”

Não é só a advocacia que precisa mudar, explica o tributarista, os juízes também precisam ser mais responsáveis. "Empresário não é sinônimo de sem-vergonha. E o Judiciário também é elemento de desenvolvimento do país”, afirmou.

Posições extremas

Segundo Quiroga, assim como há 30 anos a Justiça estava a favor do contribuinte em relação às teses tributárias, hoje está à favor do fisco. “O pêndulo precisa alcançar o equilíbrio”, recomendou. “Hoje, são frequentes as teses dos fiscais, que autuam para depois verem no que dá, jogando a decisão para os tribunais.”

O engajamento e a intransigência são o motivo, segundo Quiroga, pelo qual o fisco nega sistematicamente os pedidos feitos em consultas tributárias pelos contribuintes. “Os auditores não são culturalmente capacitados para avaliar com imparcialidade. Em 99% dos casos, a resposta é não”, disse, citando o exemplo dos Estados Unidos. “Lá, se eu digo que quero fazer determinado planejamento, o fisco me orienta por qual caminho devo seguir.” É por essa falta de maleabilidade, diz o advogado, que ideias como a execução fiscal administrativa e a transação fiscal não podem dar certo agora. “Temos cultura do contencioso.”

Ele ainda protestou contra os frequentes pedidos de bloqueio de bens e valores paralelamente às Execuções Fiscais pelos procuradores da Fazenda Nacional. “Medida Cautelar Fiscal é voltada para casos de fraude ou dilapidação de patrimônio.” De outro lado, segundo ele, a Justiça também tem sido reticente em aceitar seguro fiança para garantir processos.
Fonte: ConJur

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